Ignorância

A ignorância é a incapacidade fundamental de reconhecer o potencial, a clareza e o poder infinito de nossas próprias mentes, como se estivéssemos olhando para o mundo através de lentes coloridas: tudo o que vemos é mascarado ou distorcido pelas cores das lentes. No nível mais essencial, a ignorância distorce a experiência basicamente aberta da consciência, formando a ilusão das distinções dualistas entre categorias inerentemente existentes de "eu" e "outro".

A ignorância é, assim, um problema de duas faces. Assim que formamos o hábito neuronal de nos identificar com um "eu" único e independentemente existente, é inevitável que comecemos a ver tudo o que não é "eu" como "outro". O "outro" pode ser qualquer coisa: uma mesa, uma banana, outra pessoa ou até algo que esse "eu" esteja pensando ou sentindo. Tudo o que vivenciamos se torna, em certo sentido, um estranho. E, a medida que nos acostumamos a distinguir entre "eu" e "outro", prendemo-nos a um modo dualista de percepção, traçando fronteiras conceituais entre o nosso "eu" e o resto do mundo "lá fora", um mundo que parece tão vasto que quase não podemos evitar de nos considerar muito pequenos, limitados e vulneráveis. Começamos a olhar para as outras pessoas, objetos materiais e assim por diante como fontes potenciais de felicidade e infelicidade, e a vida se transforma em uma luta para conseguir aquilo que precisamos para sermos felizes antes que outra pessoa o pegue.

Essa luta é conhecida em sânscrito como samsara, que significa literalmente "roda" ou "círculo". O samsara se refere à roda ou ao círculo da infelicidade, um hábito de correr em círculos, perseguindo as mesmas experiências várias e várias vezes, a cada vez esperando um resultado diferente. Se você já viu um cão ou um gato perseguindo o próprio rabo, já testemunhou a essência do samsara. E, apesar de poder ser divertido ver um animal perseguir o rabo, não é tão divertido quando a sua própria mente faz a mesma coisa.

Yongey Mingyur Rinpoche em "A alegria de viver".

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