Não podemos possuir nada...

   Enquanto contemplamos a impermanência, podemos examinar o que a permanência implicaria. A permanência seria complicada. Seria uma situação imutável, isolada no espaço, não afetada pelo tempo ou pelos elementos. Não teria princípio e nem fim, nem causas e condições. Tudo duraria para sempre. Não haveria estações do ano. Nunca nasceríamos, cresceríamos, nos apaixonaríamos, envelheceríamos ou morreríamos. Nunca comeríamos, pois jamais teríamos fome. Não poderíamos ter nenhum tipo de relação com nenhuma outra coisa, porque disso resultaria que mudaríamos. Ao contemplar a impermanência, percebemos que é impossível que a vida seja diferente. Começamos a  relaxar e desfrutar do constante jogo de luz e sombra, de vísivel e de invisível, de acréscimo e decréscimo.
   Contemplar a impermanência pode ser uma experiência libertadora que nos traz moderação e alegria. Essencialmente, passamos a ser menos apegados. Damo-nos conta de que não podemos possuir nada. Temos dinheiro e ele se vai; estamos tristes e em seguida já não estamos mais. Não importa quanto nos agarremos aos nossos entes queridos, por sua própria natureza todos os relacionamentos são um encontro e uma separação. Isso não quer dizer que temos menos amor. Significa que temos menos fixação, menos dor. Significa que temos mais liberdade e que valorizamos mais as situações, porque podemos relaxar nos altos e baixos da vida. 
   Entender o significado da impermanência nos transforma em pessoas menos desesperadas. Dá-nos dignidade. Deixamos de agarrar-nos ao prazer, na tentativa de espremê-lo até a última gota. Já não consideramos a dor como algo a ser temido, negado e evitado. Sabemos que mudará. Isso nos orienta com firmeza para a abertura da mente da iluminação. Aprendemos a olhar para o que está a nossa frente. Não precisamos mais fazer de conta que a felicidade é permanente: "Se eu me esforçar no trabalho, ganharei muito dinheiro e depois serei feliz". Percebemos que não é isso que traz a felicidade; ela vem do cultivo das virtudes que nos conduzem à iluminação. No final das contas, ela se origina da sabedoria, da compreensão da imutável verdade da mudança.

Sakyong Mipham em "Fazer da mente uma aliada".     

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