O que é a felicidade?

   Imaginar a felicidade como a materialização de todos os nossos desejos e paixões e, sobretudo, concebê-la unicamente de modo egocêntrico, é confundir a aspiração legítima de realizar-se interiormente com uma utopia que inevitavelmente leva à frustração. Ao afirmar que "a felicidade é a satisfação de todos os nossos desejos" em sua "multiplicidade", "grau" e "duração", Kant a relega, desde o início, para o domínio do irrealizável. Quando ele afirma que a felicidade é a condição de alguém para quem "tudo vai de acordo com seu desejo e sua vontade", temos que nos perguntar sobre o mistério pelo qual qualquer coisa poderia "ir" de acordo com os nossos desejos e vontade. Isso me lembra um diálogo que ouvi certa vez em um filme sobre a máfia: 
- Quero aquilo que me é devido.
- O que lhe é devido?
- O mundo, garoto, e tudo que há nele. 
   Mesmo se a satisfação de todos os nossos desejos fosse possível, isso não levaria à felicidade, mas à criação de novos desejos ou à indiferença e à repulsa ou até mesmo à depressão. Por que a depressão? Se tivéssemos nos convencido de que a satisfação de todos os desejos nos tornaria felizes, o colapso dessa ilusão nos faria duvidar da própria existência da felicidade. Se eu tenho mais do que necessito e ainda assim não me sinto feliz, a felicidade deve ser inatingível. 
   Isso mostra bem a que ponto podemos chegar, iludindo-nos sobre as causas da felicidade. O fato é que sem paz interior e sabedoria não temos nada do que é realmente necessário para sermos felizes. Vivendo num movimento de pêndulo entre a esperança e a dúvida, a excitação e o tédio, o desejo e o cansaço, é fácil desperdiçar cada pedacinho da nossa vida sem nem mesmo notar, correndo para todo lado sem chegar a lugar algum. A felicidade é um estado de realização interior, não a gratificação dos inesgotáveis desejos exteriores.        

Matthieu Ricard em "Felicidade, a prática do bem-estar". 

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