A flor e o lixo.

   "Flor" e "lixo" são imagens usadas para descrever a natureza interdependente da ignorância e do despertar. Geralmente achamos que o despertar nada tem que ver com a ignorância. Colocamos o despertar de um lado da cerca, e a ignorância do outro, receando que a ignorância possa contaminar o despertar. Mas, na realidade, eles não podem ser separados dessa maneira. Se não houvesse ignorância e confusão, não poderia haver despertar. É no solo da própria ignorância que o despertar pode ser cultivado. Essa é a natureza do Co-surgimento Interdependente. Se você disser "Quero pôr um fim no ciclo de nascimento e morte. Só vou aceitar a libertação", estará mostrando que não entendeu a natureza do Co-surgimento Interdependente.
   Se jogar fora "isto" para achar "aquilo", nunca encontrará o que está procurando. "Aquilo" só pode ser encontrado "nisto". Buda nos adverte a não fugir de nada pensando em correr para uma outra coisa. Na verdade, a prática do budismo é a prática sem meta, sem objetivo. Se somos puros, calmos e temos a mente limpa, já estamos na Terra Pura. Ignorância e despertar são interdependentes. O nirvana só pode ser encontrado dentro do mundo de nascimento e morte. As aflições básicas, formações mentais nocivas tais como ambição, ódio, ignorância, orgulho, dúvida, nos causam sofrimento. Quando queremos despertar, passamos a fazer uso de nossas formações mentais a fim de transformá-las. 
   Se estamos quase morrendo de sede e alguém nos traz um copo de água barrenta, sabemos que é preciso encontrar um jeito de filtrá-la a fim de sobrevivermos. Podemos simplesmente jogá-la fora - mas essa água, embora não seja pura, é a nossa única esperança de salvação. Da mesma forma, temos que aceitar todas as nossas aflições, formações mentais, todas as dificuldade do mundo, nosso corpo e nossa mente, a fim de transformá-los. Se os rejeitamos, se procuramos fugir deles, nunca chegaremos ao fim desejado. Não há como escapar das coisas que odiamos. O único meio que existe é transformá-las em amor. 

Thich Nhat Hanh em "Transformações na consciência".  

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