Onde está o colar?

   Quando um arco-íris aparece luminoso no céu, você pode contemplar suas belas cores, mas não pode pegá-lo e usá-lo como roupa. O arco-íris nasce da conjunção de diferentes fatores, mas nada nele pode ser apreendido. O mesmo se dá com os pensamentos. Manifestam-se na mente, mas são desprovidos de realidade tangível ou de solidez intrínseca. Nenhuma razão lógica justifica, então, que os pensamentos - que são insubstanciais - disponham de tanto poder sobre a pessoa, não há nenhuma razão para que você se torne seu escravo.
   A infinita sucessão de pensamentos passados, presentes e futuros nos leva a acreditar que existe alguma coisa que estaria ali de forma inerente e permanente. Mas, na verdade, os pensamentos passados estão tão mortos quantos os cadávares, e os pensamentos futuros ainda não surgiram. Então, como essas duas categorias de pensamentos que não existem poderiam constituir uma entidade que seja existente? E como o pensamento presente poderia se apoiar em duas coisas inexistentes?
   Contudo, a vacuidade dos pensamentos não é simplesmente um vazio, como se pode dizer do espaço. Há ali a presença, uma consciência espontânea, uma clareza comparável àquela do sol que clareia as paisagens e permite ver as montanhas, os caminhos, os precipícios.
   Ainda que a mente seja dotada dessa consciência intrínseca, afirmar que há uma mente é colar o rótulo de realidade sobre algo que não o é, é anunciar a existência de uma coisa que é apenas um nome dado a uma sucessão de acontecimentos. Podemos chamar de 'colar' o objeto feito de pedras enfiadas num fio, mas esse 'colar' não é uma entidade dotada de existência intrínseca. Quando o fio arrebenta, onde está o colar?

Dilgo Khyentsé Rinpotché.      

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