O hábito de fugir.

   Todos nós temos tendência a evitar o momento presente. É como se esse hábito fizesse parte do nosso DNA. No nível mais básico, pensamos o tempo inteiro, e isso desvia a nossa atenção. Em seus ensinamentos sobre a fantasia e realidade, Chögyam Trungpa dizia que estar totalmente presente, em contato com o imediatismo de nossa experiência, significa realidade. Ele descrevia a fantasia como estar perdido em pensamentos. A maioria das pessoas que dirige na autoestrada a 137 quilômetros por hora está distraída. Aparentemente, temos uma espécie de piloto automático que nos mantém na estrada, ou que nos permite fazer inúmeras tarefas ao mesmo tempo, ou nos alimentar, todas as coisas que fazemos sem pensar. Esse padrão de distração, de não estar presente em toda plenitude, de não contatar o imediatismo de nossa experiência é considerado normal. 
   Segundo o budismo, temos fortalecido esse hábito de abstração vida após vida. Mas se não acreditar em ressurreição, apenas esta vida é suficiente para ver como se abstrai. Desde criança, fortalecemos o hábito de fugir, escolhendo a fantasia em vez da realidade. Infelizmente, encontramos muito conforto em devanear, em nos voltarmos para nossos pensamentos, preocupações e planos. Isso nos dá uma sensação agradável de falsa segurança. 
   Certa vez, ouvi um ensinamento muito útil de Dzigar Kungtrül, que aprofunda a discussão sobre esse padrão de fuga da realidade. É um ensinamento sobre shenpa. Em geral, a palavra tibetana shenpa traduz-se por apego, porém essa tradução sempre me pareceu muito abstrata, porque não revela a importância de shenpa e seu efeito em nós. Uma tradução alternativa poderia ser "fisgado", no sentido de ser fisgado, ou aprisionado. Todas as pessoas gostam de ouvir ensinamentos de como libertaram-se de situações desagradáveis, porque esse sentimento dirige-se a uma fonte comum de dor. Em termos da metáfora da hera venenosa - a coceira e a ânsia de se coçar -, a shenpa representa também nossa ansiedade e a vontade de se coçar. Ela nos impele a fumar um cigarro, a comer demais, a beber mais um drinque, a dizer alguma coisa maldosa ou a contar uma mentira. É assim que a shenpa surge em nossas experiências cotidianas.        

Pema Chöndrön em "O salto. Um novo caminho para enfrentar as dificuldades inevitáveis".   

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